Parece que, por algum tipo de mágica, ou milagre, nas grandes e médias cidades brasileira, uma obra pública exorbitantemente cara consegue atrair na próxima eleição, para os políticos ligados à entidade contratante, uma cornucópia de votos. Alguns supõem criminoso superfaturamento , do qual, noventa por cento ficariam com as empreiteiras, e a migalha milionária para os políticos, que fariam fartas distribuições de dinheiro pela periferia. Mas a grande maioria acredita mesmo em milagre, devido ao mágico poder dos políticos alçados à chefia do executivo municipal. Porque, como se sabe, um cara de boa aparência, geralmente elegante e de voz agradável, sempre com um sorriso nos lábios e frequentemente chamando Deus por testemunha de sua inabalável competência e probidade, só pode ser um grande e honesto administrador. As grandes obras seriam a prova da genialidade do cidadão, nunca se perguntando de onde saiu o dinheiro para elas. Presume-se que tenha caído do Céu, dado diretamente por aquele Jesus de Nazaré, que na sua jornada terrestre era pobre assumido, inimigo de ostentações e crítico feroz dos endinheirados e do endinheiramento.
Por estes tristes trópicos nenhum prefeito ganha votos fazendo obras de simples manutenção (sem chamá-las de “revitalização”, o que por si só as encareceria em pelos menos 500%). E muito menos fazendo obras necessárias e adequadas, pois esse tipo de obras não costuma chamar a atenção do enfeitiçado eleitor.
Bom, mas o que dizer de algum prefeito que tem as contas da prefeitura em situação precária, devendo mais de 18 milhões de reais à companhia de saneamento básico? A boa prática administrativa aconselharia esse prefeito a por as contas em dia, sopesando melhor os investimentos e deixando seu plano de promoção pessoal para o ano seguinte. Pois essas contas em situação precária ocorrem em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, mas o prefeito, em primeiro lugar faz-se inerte para a correta manutenção das obras existentes, e em segundo, aposta em obras supermilionárias, como as do projeto Reviva Centro e as da canalização do Rio Anhanduí, no trecho entre a Rua Santa Adélia e a Rua Bonsucesso.
O Reviva Centro seria obra de interesse imediato (e não apenas de médio e longo prazo) dos comerciantes e prestadores de serviço da Rua 14 de Julho, se tivesse sido elaborado um projeto cirúrgico, com intervenção mínima no movimento normal da área. E esse projeto qualquer engenheiro ou arquiteto elaboraria facilmente, pois tratar-se-ia apenas de tornar subterrânea a fiação elétrica e refazer a rede hidráulica e de esgotamento sanitário (já que não se cogitou de estabelecer a canalização subterrânea das águas pluviais), numa segunda etapa reconstruindo asfaltamento e passeios. Aqueles três itens poderiam ser executados numa faixa do asfaltamento preexistente, contíguo aos passeios, com o auxílio de pequenas retro-escavadeiras. Cada uma das faixas (contíguas aos passeios de um lado e do outro) teria uma rede de água, esgoto e elétrica. Seria obra rápida e segura.
Mas um projeto assim teria um defeito capital: seria barato, não consumindo mais do que alguns poucos milhões (aqui já incluídos os quinhentos por cento acima citados) do erário municipal. E como se sabe, projeto barato não consegue fazer aquela mágica da brotação de votos favoráveis na próxima eleição. Por outro lado, um projeto caríssimo, com pouco quebra-quebra e pouca movimentação de terra, não impressionaria o eleitor, levando-o a desconfiar de alguma tramoia; então optou-se pela zona de guerra que inferniza a vida dos comerciantes, dos prestadores de serviços e de seus clientes. E assim teremos ali pelo menos 50 milhões de reais jogados fora.
A canalização do Anhanduí não era do interesse de ninguém, a não ser das empreiteiras e dos prefeitos, os anteriores e o atual. Havia, no lado leste, apenas dois ou três pontos com desbarrancamentos leves, passíveis de serem corrigidos com alguns caminhões de terra, algumas concretagens de reforço e o refazimento de pequenos trechos de asfalto e de guias e sarjetas. Coisa que uma pequena equipe de funcionários municipais poderia fazer em algumas semanas. No entanto, não se providenciou a fácil correção dos desmoronamentos, preferindo-se manter no local, por diversos anos (desde a administração Bernal), cavaletes proibindo a utilização da faixa naqueles trechos de não mais do que 10 metros cada um. A obra contratada (e antes já ensaiada pelos prefeitos anteriores, Nelsinho e Bernal) seria para enriquecer empreiteiras (e, óbvio, fazer brotar os tais votos periféricos), e não para resolver algum problema real e urgente. Havia nas grandes chuvas, é claro, o transbordamento do rio para o lado leste, lâmina d’água de não mais do que 20 centímetros de altura. Mas as novas obras não vão eliminar esse problema, de vez que a calha do rio não foi alargada, mantendo-se, com a instalação de gabiões, as mesmas larguras. Só o que muda é o perfil da calha, de um formato de V (devido aos taludes) para um formato de U (pelos gabiões aproximadamente verticais). 70 milhões de reais jogados fora.
Como certamente sabem os engenheiros da prefeitura, o problema das enchentes no Anhanduí (próximo ao Shopping Norte-Sul) e no Prosa (Rua Joaquim Murtinho e Via Parque) só pode ser resolvido a jusante, nas nascentes do Prosa, do Sóter e do Segredo, e nos dois lagos do Parque das Nações Indígenas. São pequenas obras ou adaptações em obras existentes, suscetíveis de serem executadas por funcionários municipais, desde que as empreiteiras sejam mantidas , por via judicial, bem longe desses locais, para evitar contaminações megalomaníacas.
Nas fotos abaixo, um exemplo do desleixo da prefeitura com a manutenção dos locais públicos, contraponto para a sua nada original (porém previsível) obsessão pelas grandes obras.
Com as grandes chuvas, aqui o nível das águas ultrapassou os gabiões, levando terra e a grama plantada.
Mais sinais da falta de conservação.
Um dos poucos trechos que, por serem altos e planos, puderam conservar o gramado.
Na curva, nova degradação.
A degradação da curva.
Mais abaixo, outro desmoronamento. Ao invés de refazer o gabião e recompor o solo, preferiram cortar a saudável mangueira.
Bela paineira, junto à ponte do final da Rua Rio Grande do Sul.
Paineira em perigo. Alguns caminhões de terra e alguma jardinagem recomporiam o solo.
Do outro lado do córrego, outra paineira em perigo.
Vista a jusante da ponte do final da Rua Rio Grande do Sul.
Erosão do solo.
Solapamento.
Aqui, o gramado, em 2008, durou apenas 7 dias.
O solapamento acima, mostrado de outro ângulo.
Vista para jusante, da passarela defronte à Faculdade Estácio de Sá. No começo da curva, desabamento.
O desabamento.
Árvore ameaçada.
Aqui existiu um gramado, em 2008 e por exatos 7 dias.
Do outro lado do córrego, outro gramado de 7 dias.
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